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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Jair Rodrigues: "ainda vou pertubar vocês muito tempo"

Foto: Eduardo Metroviche

Tive a oportunidade, hoje, de entrevistar Jair Rodrigues. Dispensa apresentações, mas quem não conhece muito da história e discografia não deixe de acessar o site oficial dele.

O novo trabalho, “Festa para um Rei Negro
”, pode ser considerado um resumo da sua carreira?

Não é bem um resumo. É um seqüencial, porque, desde 1957 eu cantava na noite e morava em São Carlos (dos 14 aos 19 anos). Então, me profissionalizei na noite, onde você tem que cantar de tudo. Quando vim para São Paulo, no finalzinho de 1959, vim morar em Osasco, aqui em Jardim D’Abril com meu irmão. Trabalhava numa alfaiataria chamada Primor, na rua Antonio Agu. Depois fui fazendo sucesso, as coisas foram acontecendo de uma maneira que eu agradeço a Deus. Nesse trabalho de 50 anos [de carreira] procurei as músicas do começo. O Deixa Isso Pra Lá, Disparada, Triste Madrugada, Tristeza, e outras. Tem alguns convidados, o Wilson Simoninha, Max de Castro, Rappin Hood e meu sobrinho, Rodrigo Ramos, cantam o Deixa Isso Pra Lá, que foi a abertura do espetáculo. Depois veio a Alcione, Jorge Aragão, Jairzinho, Luciana Melo, Pedro Mariano, o Pelé e o Xitãozinho e Chororó.

Como escolheu o repertório?

Quase não precisou escolher. Quando faço shows sempre canto essas músicas. Foi fácil. Todo o trabalho foi uma coisa tão gratificante, porque hoje em dia pra se fazer um CD ou DVD demora de 6 meses a 1 ano, toda essa parafernália...E ali, com todos esses convidados e os músicos, foi um disco feito em apenas 2 horas e, quando foi para mixagem, se mexeu em menos de 3% das coisas. Foi uma coisa extraordinária.

O disco comemora 50 anos de carreira. Tem alguma coisa ainda por fazer?

Quando vou gravar um disco, primeiro escolho na discografia que eu tenho, como Noel Rosa, Ari Barroso, Cartola, Nelson Cavaquinho, Ataulfo Alves, Vicente Celestino e tantos outros. Aí procuro umas quatro ou seis músicas do baú e depois peço pro Jairzinho fazer uma música pra mim. Saio também ligando pros meus amigos compositores de Salvador, Minas Gerais e assim por diante. Então eu recebo muita coisa. Mas, enquanto Deus me der vida, se ele me deixou até agora com 70 anos, acho que ainda vou pertubar vocês muito tempo ainda (risos). Estou há 50 anos sempre lutando e isso é uma coisa para deixar pra essa juventude, pra eles terem um espelho.

Já que falou sobre os mais jovens, você gravou um álbum com um grupo jovem (Quinteto em Branco e Preto). Qual sua opinião sobre a renovação do samba?

O samba é tipo da coisa que não envelhece nunca. É a tradição musical do Brasil e, quando gravei com o Quinteto, essa rapaziada foi lançada pela Beth Carvalho, mas só estavam para acompanhar os artistas. Então, quis fazer um negócio para mostrar o trabalho deles como produtores, cantores, músicos. São uns meninos que estão merecendo mais espaço. Nós nos juntamos, gravei pela Trama e até coloquei o nome do disco Jair Rodrigues em Branco e Preto, que é pra que fiquem de olho nesses meninos maravilhosos. Mas, por enquanto, ainda estão num certo marasmo que falta alguém pegar e falar “vamos em frente”, como foi o Fundo de Quintal, os Originais do Samba.

Você gravou muitos sambas-de-enredo. Este é um gênero que deu uma caída. Concorda?

Jair Rodrigues e Elza Soares foram os dois primeiros que gravaram os sambas-de-enredo. Até 1970 e pouco não havia aquela divulgação no rádio. O primeiro samba que gravei foi Bahia de Todos os Deuses, ‘Bahia os meu olhos estão brilhando/meu coração palpitando’, do Salgueiro (1969), e a gente levou o samba-enredo pro Brasil e pro mundo. Um dos sambas mais conhecidos eu gravei. Aliás, é o título do meu DVD Festa pro Rei Negro, ‘Ô-lê-lê, ô-lá-lá/Pega no ganzê/Pega no ganzá’. Depois a rapaziada foi perdendo a inspiração. De repente os sambas-enredo viraram qualquer coisa. Umas letras que ninguém entendia, sem pé nem cabeça. Mas, mesmo assim ainda tem alguns bem feitos. De repente a gente foi proibido de gravar os sambas-de-enredo, dizendo que a gente gravava de um jeito e nas quadras era cantado de outro. Tremenda de uma cascata. Por isso, o último que gravei foi nos anos 80.

Quais os dois melhores sambas-de-enredo da história?

O “Aquarela Brasileira” (de Silas de Oliveira, Império Serrano, 1964) foi o mais perfeito. Lembra até o Hino Nacional. E um samba do Martinho da Vila [e Rodolpho], “Iaiá do cais dourado” (Vila Isabel, 1969).

Participou do programa "O Fino da Bossa" com Elis Regina. Qual a importância da Elis na sua carreira?

O nosso encontro foi importante para a Elis, para o Jair, para a música popular brasileira. Fizemos um estardalhaço danado nos anos 60. Nos dias 8, 9 e 10 de abril de 1965 fizemos um show juntos no teatro Paramount, na Brigadeiro Luís Antônio e, como éramos da mesma gravadora, lançaram o disco e vendeu mais de 1 milhão de cópias. Depois apresentamos o programa “Fino da Bossa”, três anos de sucesso. Viajamos por esse mundo afora e foi de suma importância. Existia o respeito, a amizade. Eu sou fã dela e ela não deixava por menos, dizia: “meu negão, sou fã de você”. Até quando nos conhecemos, em 1964, no Rio, ela me pediu um autógrafo e eu também, no programa do Airton Rodrigues, o “Almoço com as Estrelas”. Ela foi uma vencedora com todos os méritos do festival de música em 1965 na TV Excelsior, ganhou com Arrastão, e em 1966 foi a minha vez, com Disparada. Foi uma amizade, parecia até que nós éramos namorados, mas juntava a fome com a vontade de comer dentro e fora do palco.

Como foi, sendo intérprete principalmente de samba, explodir com Disparada (Geraldo Vandré/Theo de Barros)?

O pessoal que me conhece sabe da minha presença nesses ritmos todos. Fui um crooner, cantava desde a seresta, samba-canção, rumba, fox, bolero, tango, samba, bossa nova. Só na época quando alguns produtores, como Alfredo Borba, queriam lançar um sambista de São Paulo -porque ainda tinha a rusga entre o samba de SP e do RJ, até o Vinícius de Moraes falou aquilo do “túmulo do samba” - então o Alfredo Borba falou que eu gravasse só samba. Aí gravei três long plays (1963, 1964 e 1965) apenas de samba. De 1966 em diante, passei a ter outros produtores e comecei a gravar seresta. Mas tem meninos assim da sua idade que pedem nos shows Majestade o Sabiá, Disparada, Chão de Estrelas. Hoje, isso me da uma alegria muito grande porque minha vida musical é um leque.

Como muitos, começou no rádio. Como compara com o rádio comercial que temos hoje.

Infelizmente. Quando comecei havia aquelas programações de música ao vivo, com auditório. Em Osasco mesmo, quantas vezes eu cantava nas emissoras locais. Está faltando agora. Essa nova geração está sem espaço para mostrar trabalho, tanto no rádio como na televisão. De uns anos para cá começaram a mostrar só músicas descartáveis, mas embora atrapalhe é coisa passageira. Primeiro começaram as músicas sertanejas feitas de qualquer maneira, depois pagodeiros que não acabavam mais. Mas com um trabalho não digno desse nome. Pagode é uma coisa séria, vem de sertanejos, Zilo e Zalo, Tião Carreiro e Pardinho. E o pagode de hoje vem do partido alto, do samba de quadra. É uma coisa muito séria, que Martinho e Zeca Pagodinho fazem muito bem.

Quais nomes da nova geração da MPB que valem a pena?

Tenho dois exemplos aqui em casa (Jairzinho e Luciana Melo), não é porque são meus filhos. Tem também Wilson Simoninha, Max de Castro, Paula Lima. Outros estilos também, o Rappin Hood, Marcelo D2, o filho do Djavan (Max Viana). Até a Preta Gil, que deu uma parada, Maria Rita...

Rappin Hood, antes ainda do Marcelo D2, juntou samba com rap. Mas falam que o precursor foi você.

Quando gravei ‘Deixa que digam/que pensem/que falem’, em 1964, e foi meu grande sucesso, a gente denominou na época sambalanço. Mas, na verdade, já era um Rap. Em 1989 eu estava em Montreux, na Suíça, e estava o pessoal do Paralamas do Sucesso. A gente estava fazendo uma farra dentro do ônibus e o Herbert Vianna falou: “olha gente, se vocês querem saber quem inventou o Rap, está aqui”. Aí ele me explicou. Hoje, quem canta hip-hop, são unânimes em dizer: “Jairzão é precursor do rap, nosso truta (risos)”.

Como é a história da música Meu Guarda-Chuva, do Jorge Ben?

Eu tinha uma namorada e sempre que o Jorge Ben (não consigo falar Jorge Benjor) vinha para São Paulo nos encontrávamos e íamos pela noite. Uma noite peguei minha namorada e falei: vamos dar um giro. Fomos numa boatezinha que ficava na rua Augusta. Poxa, eu com a namorada e o Jorge sozinho, chegou uma hora ele queria sair. Falei: “vou com você, a namorada fica aí eu falo que a gente já volta e pega ela”. Estava chovendo e o menino foi buscar meu carro e veio com guarda-chuva, pegou o Jorge e botou no banco do carona. Minha namorada veio correndo para entrar dentro do carro. Mas enquanto o cara foi buscar ela de guarda-chuva a gente ó, pinote, linha na pipa, a gente se mandou (risos). Aí o Jorge, no ato, “mas quando eu comecei a gostar de você/você me abandonou/só eu tenho um guarda-chuva adivinha quem vai se molhar”.

E você perdeu a namorada?

Com certeza, (risos) também depois daquilo, sem chance. Também nem gostava tanto assim. Quem lançou essa música foi uma cantora chamada Elizabeth Viana, não sei se nos anos 60 ou 70. Eu acabei gravando há uns quatro anos, no disco Intérprete (2002), produzido pelo Jairzinho, que foi indicado ao Grammy latino. Mais recentemente a Paula Lima gravou.

Quais os locais que vocês freqüentavam na noite?

A gente ia em todas. Ia parar no Som de Cristal, que era um salão de baile, ou aqueles inferninhos. A gente só não fazia besteiras, drogas. De vez em quando um whisky, caipirinha, vinho. Nunca cometemos desatinos.

Quais as maiores influências que sofreu na carreira?

D
o lado sertanejo Tonico e Tinoco, Zico e Zeca, Tião Carreiro e Pardinho. Na parte de seresta Orlando Silva, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo, Francisco Alves, Carmem Costa, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Maysa, Eliseth Cardoso e outras. Maior influência, meu ídolo foi o Agostinho dos Santos. Também cantava Jamelão, Agnado Rayol. Depois, na minha geração, Elis Regina, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Djavan, Martinho, Paulinho da Viola e tantos outros.

Como vê o caso do Wilson Simonal?

O Simonal era nosso amigo. Todas as segundas-feiras a gente ia jogar futebol, mas não conversava nunca sobre política, só futebol, mulher e música. Quando, em 1971 começou esse lance com o Simonal, até falei: “se manda daqui velho, que a coisa ta brava”. Não deram o direito de defesa a ele. Simonal era um sucesso, o Brasil jamais vai ter outro showman como ele. Acabou tendo a pecha de dedo-duro. Tem agora o Simoninha fazendo com que lembrem do Simonal artista, mas está meio difícil, pois ficou uma mancha. No dia que ele morreu a filha dele ligou para cá e pediu que eu fosse ao hospital. Fui e falei “vamos levantar dessa cama aí rapaz”. Pouquíssimos artistas foram ao velório, mas eu fui me despedir do amigo, injustiçado que foi.

OBS: Se você não entendeu nada nessa pergunta sobre o Wilson Simonal, clique aqui.

4 comentários:

Anônimo disse...

Bela entrevista.
Que bom seria se todos pertubassem como o Jair pertuba!!!


Nilton

Anônimo disse...

É impressão minha ou o Titulo Festa para o Rei Negro além de ser um samba enredo, é uma alusão aos 50 anos da carreira do Rei RC.
Seria a comemoração dos 50 anos do Rei Negro Jair Rodrigues?

parabéns pela entrevista
Tiago

Fernando Augusto disse...

É Tiago, não tinha pensado nisso! Deveria ter perguntado para ele...
faz sentido

Racky Duarte disse...

Ótima entrevista. É sempre um olhar diferente quando alguém que "conhece o assunto" entrevista alguém que realmente entende do assunto. Até quem não "manja" nada do tema, fica encantada, como eu. Sucesso sempre!